Processo nº 024.09.013938-7
Requerente: Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo
Requerido: Estado do Espírito Santo e Município de Vitória
___S E N T E N Ç A___
Vistos etc..
Trata-se de Ação Civil Pública ajuizada pela Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo em face do Estado do Espírito Santo e Município de Vitória, por suposta violação a interesse difuso ou coletivo, qual seja a saúde, objetivando a construção de um hospital de tratamento para dependentes químicos ou estabelecimento adequado com atendimento universal e igualitário para os necessitados. Pugnou ainda pela realização de audiência pública a fim de dar publicidade e enriquecimento ao debate em questão.
Em sede de tutela antecipada pleiteou a inclusão de todo usuário de crack e álcool em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a toxicômanos com a consequente disponibilização de sistema informatizado on line para acompanhamento das internações.
Petição inicial instruída com documentos de folhas 27/37.
Decisão pelo indeferimento da tutela antecipada por ausência de verossimilhança, ante a falta de provas de inexistência de política pública implantada no município.
Deferido o pedido de expedição dos ofícios aos órgãos descritos na letra D da petição de fl. 23.
Em resposta a Secretaria de Estado para Assuntos de Atenção a Saúde informou quanto a existência do Centro de Prevenção e Tratamento de Toxicômanos – CPTT, também chamado de CAPS (Centro de Apoio Psicossocial), o CAPS I – Infanto Juvenil, que desde de março de 2009 acolhe usuários de drogas e o serviço de atenção hospitalar a criança e adolescente usuário de drogas no Hospital dos Ferroviários (fls. 50/60).
Esclareceu ainda que o Estado “realiza investimentos na área da ordem de 12 milhões para construção e equipamento de novos 15 Centros de tratamento para usuário de drogas”, sem informar quando isso irá ocorrer (fl. 52).
Intimado a se manifestar, o Comandante da Polícia Militar informa que “não desenvolve política pública de recuperação de usuários de drogas (…). Entretanto, no 1º semestre de 2009 foram atendidos pelo programa PROERD cerca de 800 alunos de sete escolas diferentes” na área de Grande Goiabeiras (fl. 65/78).
A Polícia Militar relatou a existência do PROERD – Programa Educacional de Resistência às Drogas e a Violência implementado em fevereiro de 2011, com função preventiva para alunos da 4ª série do ensino fundamental (fls.78/89), acompanhado do relatório geral de atividades desenvolvidas no ano de 2008 pelo programa (fls.103/194).
Contestação ofertada pelo Estado em que alega preliminarmente a falta de interesse processual e no mérito obediência as políticas públicas, ofensa ao princípio da separação de poderes, a proibição de concessão de liminar contra a Fazenda Pública, pugnando pela improcedência do mérito 197/216).
Intimado para réplica o requerente não se manifestou (fls.218 e 312).
Contestação pelo Município de Vitória pela improcedência dos pedidos (fls. 225/7) com a juntada dos documentos de folhas 229/279.
Manifestação do Ministério Público pelo acolhimento da preliminar de ilegitimidade ativa ad causam, falta de interesse processual, ilegitimidade passiva do Município de Vitória e no mérito pela improcedência dos pedidos (fls. 287/305).
Devidamente intimados, nenhuma das partes requereu a produção de outras provas (fls. 307/11).
É o que de importante tinha a relatar.
Decido.
Das preliminares:
a) Da falta de interesse processual:
Em sua defesa o Estado do Espírito Santo pugna pelo reconhecimento da falta de interesse processual da requerente, haja vista a prestação efetiva do serviço postulado pelo poder público (fl. 199).
Ao contrário do que alega o requerido, o interesse de agir, deve ser aferido pela observância da situação concreta. Assim falecerá interesse a parte, desde que não se consiga vislumbrar, a partir da movimentação do aparato jurisdicional, pelo processo, nem necessidade, nem utilidade no provimento pleiteado.
Por sua vez o Ministério Público argui a inexistência de pertinência temática para atuação da Defensoria Pública, na defesa dos interesses difusos e coletivos em sentido amplo.
A pertinência temática é a relação entre o pedido e as finalidades institucionais da entidade que pede. No caso a Defensoria Pública alçada pela Constituição a instituição permanente e essencial a função jurisdicional do Estado, configura-se como o próprio instrumento de concretização dos direitos e das liberdades de que são titulares as pessoas carentes e necessitadas.
A Lei complementar nº 80, que organiza a Defensoria Pública prevê no seu art. 3º, inciso VII, que uma de suas funções é: “promover ação civil pública e todas as espécies de ações capazes de propiciar a adequada tutela dos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos quando o resultado da demanda puder beneficiar grupo de pessoas hipossuficientes”.
Deste inciso é perfeitamente possível extrair a pertinência temática da Defensoria Pública, para amparar os usuários de drogas carentes de recursos, que procuram o atendimento de saúde pública.
Atento a relevância da Defensoria Pública, o STF assim se manifestou:
“(…) De nada valerão os direitos e de nenhum significado revestir-se-ão as liberdades, se os fundamentos em que eles se apoiam – além de desrespeitados pelo Poder Público ou transgredidos por particulares – também deixarem de contar com o suporte e o apoio de um aparato institucional, como aquele proporcionado pela Defensoria Pública, cuja função precípua, por efeito de sua própria vocação constitucional (CF, art. 134), consiste em dar efetividade e expressão concreta, inclusive mediante acesso do lesado à jurisdição do Estado, a esses mesmos direitos, quando titularizados por pessoas necessitadas, que são as reais destinatárias tanto da norma inscrita no art. 5º, inciso LXXIV, quanto do preceito consubstanciado no art. 134, ambos da Constituição da República. (ADI 2903, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 01/12/2005, DJe-177 DIVULG 18-09-2008 PUBLIC 19-09-2008 EMENT VOL-02333-01 PP-00064 RTJ VOL-00206-01 PP-00134)”.
Ante o esposado rejeito a preliminar de falta de interesse de agir.
b) Da ilegitimidade ativa ad causam.
Em seu parecer o Ministério Público aponta a ilegitimidade ativa ad causam da Defensoria Pública, pautando-se no fato de que só seria legitimada se estivesse defendendo pessoa comprovadamente necessitada.
Em que pese o entendimento do parquet, vislumbro que o legislador ao incluir a Defensoria Pública como legitimada para o ajuizamento de ação civil pública o fez com a clara intenção de tutela do direito dos menos favorecidos e apesar de não estarem individualmente denominados, certamente são o público-alvo que recorre ao escasso atendimento público de saúde.
È de conhecimento público as dificuldades porque passam o sistema de saúde estadual, ainda mais quando trata-se de tratamento para usuário de drogas que exige um acompanhamento mais prolongado e atenção continuada.
Assim por entender que a Defensoria Pública está agindo em nome da coletividade na proteção de interesse público, rejeito a preliminar de falta de interesse processual.
c) Da ilegitimidade passiva ad causam do município de Vitória.
O Ministério Público questiona a legitimidade passiva do Município de Vitória para figurar na presente ação, tendo em vista que o SUS – Sistema Único de Saúde é exercida em âmbito estadual pela Secretaria de Saúde ou órgão equivalente.
Considerando que a Lei nº 8.080/90 divide o SUS em três esferas, quais sejam, federal, estadual e municipal e que o custeio das ações de saúde também é de sua responsabilidade concluo que a gestão da saúde é feita pelo Estado e não pela Prefeitura.
Tendo por base a descentralização política administrativa fixada pelo SUS, o Estado é o responsável direto pela execução e ações dos serviços de saúde.
Posto isto acolho a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam do município de Vitória para exclui-lo do polo passivo da presente ação.
Passo a análise do mérito.
A questão é de direito e de fato, no entanto, é suficiente ao seu deslinde a prova documental já produzida, não havendo necessidade de produção de outras provas, razão pela qual conheço diretamente do pedido, julgando antecipadamente a lide, nos termos do artigo 330 do CPC
É de conhecimento público que um dos maiores problemas do Estado atualmente é o tráfico de drogas. Inúmeras medidas foram adotadas pelo Governo no intuito de reprimir o tráfico, dentre elas o aumento da pena na Lei de Drogas e maior dedicação da polícia na erradicação desse tipo de crime.
Além de todo o reflexo do tráfico de drogas na sociedade como aliciamento de menores, corrupção e tráfico de armas é preciso lembrar que o maior prejudicado de toda a estória é o usuário de drogas.
A Constituição garante que a saúde é direito de todos e dever do Estado. Tal garantia inclui o tratamento dos usuários de drogas normalmente renegados pela sociedade e até mesmo pela família que não sabe lidar com o problema.
O direito à saúde assegura ampla proteção visando à redução do risco de doença e garantia das ações e serviços de promoção, proteção e recuperação (art. 196 CRFB).
Nesse sentido ciente da gravidade da propagação do uso de drogas, o legislador, por meio da Lei nº 11.343/2006 – Lei de Drogas dedicou capítulo específico para tratar “das atividades de atenção e reinserção social de usuários ou dependentes de drogas”.
“Art. 23. As redes dos serviços de saúde da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios desenvolverão programas de atenção ao usuário e ao dependente de drogas, respeitadas as diretrizes do Ministério da Saúde e os princípios explicitados no art. 22 desta Lei, obrigatória a previsão orçamentária adequada.”
A obrigação do Estado de prestar assistência à saúde foi regulamentada pela Lei nº8.080/90, que garante ao usuário:
“Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde – SUS são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no artigo 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios:
I – universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência;
II – integralidade de assistência, entendida como um conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema;
(…) IV – igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie;”
Indubitável a responsabilidade do Estado para o tratamento e reinserção do usuário de drogas. Nesse sentido a Defensoria Pública pleiteia a construção de hospital para tratamento de dependentes químicos ou estabelecimento adequado com atendimento universal e igualitário para os necessitados.
De acordo com as informações prestadas pela Secretaria de Saúde existem no Estado um Centro de Prevenção e Tratamento de Toxicômanos – CPTT e um Centro de Apoio Psicossocial Infanto Juvenil, que tratam especificamente dos usuários de drogas. Além disso o Estado dispõe de equipes de saúde mental em 38 municípios.
A Prefeitura de Vitória informou contar com 28 unidades de saúde, 02 pronto atendimentos e 3 centros de atenção psicossocial, sendo que um deles é exclusivo para tratamento de usuários de álcool e outras drogas. No entanto admite a deficiência do seu atendimento à folha 243, senão vejamos:
“Carecemos de serviços de urgência e emergência resolutivos e de leitos em hospitais gerais para internação de usuário de drogas que realmente necessitem de internação (…). Essa oferta de leitos nos hospitais gerais já existentes no município depende de pactuação com o Estado, pois este é o gestor dos serviços hospitalares do SAMU e do serviço de urgência em saúde mental”.
Cientes do crescimento da criminalidade, e em consequência do aumento do número de usuários de drogas, a quantidade de hospitais dedicados a esse atendimento especializado é insuficiente para abarcar as necessidades do Estado.
Discordo da sugestão do município de Vitória, quando afirma que o melhor seria a oferta de ações de urgência e disponibilização de leitos nos hospitais gerais de cada município, vez que tal política continuaria não assistindo satisfatoriamente os usuários de drogas, já que é sabido que não há vagas nos hospitais nem para casos de urgência.
Da implementação das políticas públicas.
Em outra ponta o Estado pugna pela improcedência dos pedidos em razão da adoção das políticas públicas de atendimento aos usuários, bem como pela ofensa ao princípio da separação dos poderes.
Políticas públicas é o nome que se dá ao conjunto de ações governamentais, criadas pelo Poder Legislativo ou pela própria Administração, que visam garantir a proteção de direitos individuais, focando-se na dignidade da pessoa humana, nas condições mínimas de existência.
“As políticas públicas atuam de forma complementar à legislação, cuja característica é a generalidade e abstração, como meio de rematá-la e de concretizar seus princípios e regras, perseguindo objetivos certos e determinados”1.
A par disso a questão de implementação de políticas públicas já foi motivo de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF 45, julgada pelo STF, na qual foi possibilitada a intervenção do Judiciário nos casos de omissão governamental, senão vejamos:
“DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO - MODALIDADES DE COMPORTAMENTOS INCONSTITUCIONAIS DO PODER PÚBLICO.
- O desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante ação estatal quanto mediante inércia governamental. A situação de inconstitucionalidade pode derivar de um comportamento ativo do Poder Público, que age ou edita normas em desacordo com o que dispõe a Constituição, ofendendo-lhe, assim, os preceitos e os princípios que nela se acham consignados. Essa conduta estatal, que importa em um facere (atuação positiva), gera a inconstitucionalidade por ação.
- Se o Estado deixar de adotar as medidas necessárias à realização
concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a torná-los efetivos, operantes e exequíveis, abstendo-se, em consequência, de cumprir o dever de prestação que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto constitucional. Desse non facere ou non praestare, resultará a inconstitucionalidade por omissão, que pode ser total, quando é nenhuma a providência adotada, ou parcial, quando é insuficiente a medida efetivada pelo Poder Público.
- A omissão do Estado - que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional – qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade político jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental.”
(RTJ 185/794-796, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno).
Assim diante da omissão do Estado é cabível a intervenção do Poder Judiciário, sem que tal conduta configure lesão ao princípio da separação dos poderes. É certo que tal intervenção será feita excepcionalmente, aplicando-se aos casos em que não forem observadas as políticas públicas pelo órgão competente.
“EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. DIREITO À SAÚDE. 1. Possibilidade de o Poder Judiciário determinar políticas públicas. Precedentes. 2. Responsabilidade solidária dos entes federados. Precedentes. 3. Configuração de litisconsórcio passivo necessário afastado na origem. 4. Alegado descumprimento de limite orçamentário previsto em portaria. Análise de norma infraconstitucional. Ofensa constitucional indireta. 5. Agravo regimental ao qual se nega provimento.
(RE 665764 AgR, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 20/03/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-068 DIVULG 03-04-2012 PUBLIC 09-04-2012)”.
“DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO A SAÚDE. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROSSEGUIMENTO DE JULGAMENTO. AUSÊNCIA DE INGERÊNCIA NO PODER DISCRICIONÁRIO DO PODER EXECUTIVO. ARTIGOS 2º, 6º E 196 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. O direito a saúde é prerrogativa constitucional indisponível, garantido mediante a implementação de políticas públicas, impondo ao Estado a obrigação de criar condições objetivas que possibilitem o efetivo acesso a tal serviço. 2. É possível ao Poder Judiciário determinar a implementação pelo Estado, quando inadimplente, de políticas públicas constitucionalmente previstas, sem que haja ingerência em questão que envolve o poder discricionário do Poder Executivo. Precedentes. 3. Agravo regimental improvido. (grifei).
(AI 734487 AgR, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 03/08/2010, DJe-154 DIVULG 19-08-2010 PUBLIC 20-08-2010 EMENT VOL-02411-06 PP-01220 RT v. 99, n. 902, 2010, p. 158-162)”.
A efetivação das políticas públicas encontrou limites na “reserva do possível”, na medida em que ao Estado cumpre a responsabilidade pela justiça social, dentro de suas limitações e reservas orçamentárias. Os fatores que aportam a exigibilidade dos direitos sociais é a “reserva do possível” e o “mínimo existencial”. Canotilho defende a ideia de que, a efetivação dos direitos sociais, econômicos e culturais está dentro de uma “reserva do possível” e aponta a sua dependência aos recursos econômicos2.
Vale colacionar a citação feita no julgamento da ADPF 45 de autoria de Ana Paula de Barcellos:
“Em resumo: a limitação de recursos existe e é uma contingência que não se pode ignorar. O intérprete deverá levá-la em conta ao afirmar que algum bem pode ser exigido judicialmente, assim como o magistrado, ao determinar seu fornecimento pelo Estado. Por outro lado, não se pode esquecer que a finalidade do Estado ao obter recursos, para, em seguida, gastá-los sob a forma de obras, prestação de serviços, ou qualquer outra política pública, é exatamente realizar os
objetivos fundamentais da Constituição.
A meta central das Constituições modernas, e da Carta de 1988 em particular, pode ser resumida, como já exposto, na promoção do bem-estar do homem, cujo ponto de partida está em assegurar as condições de sua própria dignidade, que inclui, além da proteção dos direitos individuais, condições materiais mínimas de existência. Ao apurar os elementos fundamentais dessa dignidade (o mínimo existencial), estar-se-ão estabelecendo exatamente os alvos prioritários dos gastos públicos. Apenas depois de atingi-los é que se poderá discutir, relativamente aos recursos remanescentes, em que outros projetos se deverá investir. O mínimo existencial, como se vê, associado ao estabelecimento de prioridades orçamentárias, é capaz de conviver produtivamente com a reserva do possível.” 3
Correta a ponderação da autora ao lembrar que a finalidade precípua do Estado é a promoção do bem estar do homem, garantindo-lhe um mínimo existencial para sua dignidade.
Considerando a Constituição da República de 1988, o doutrinador Krell elabora uma resposta, para o argumento da “reserva do possível” ou seja,
“[…] tratar todos! E se os recursos não são suficientes, deve-se retirá-los de outras área (transporte, fomento econômico, serviço de dívida) onde sua aplicação não está tão intimamente ligada aos direitos mais essenciais do homem: sua vida, integridade física e saúde. Um relativismo nessa área pode levar a “ponderações” perigosas e anti-humanistas do tipo “por que gastar dinheiro com doentes incuráveis ou terminais?”4
Nesse sentido a reserva do possível não pode ser justificativa para o Estado, pela não implementação da política pública. Deve-se priorizar o atendimento as questões fundamentais do indivíduo garantindo assim um “mínimo existencial”.
Da audiência pública.
Invocando a Constituição da República, a requerente pleiteia a designação de audiência pública com ampla participação dos segmentos da sociedade civil, para publicidade e enriquecimento do debate posto em questão.
Em que pese os argumentos do requerente, reputo desnecessária a realização de audiência pública, vez que é de conhecimento público a disseminação do uso do crack e outras drogas e os efeitos disso na sociedade.
Na verdade, o objetivo de uma audiência pública é promover o debate com a sociedade, buscando soluções para as demandas sociais. No caso em tela não há necessidade de discussão, vez que existe determinação constitucional para implementação da saúde, que só falta ser devidamente aplicada.
Portanto, desnecessária a realização de audiência pública.
Da efetivação das medidas.
Muito embora haja obrigação do Estado em disponibilizar tratamento aos usuários de drogas, tal questão não pode ser resolvida de uma hora para outra, considerando que envolve projeto, obra e construção, processo que normalmente é demorado.
Assim, necessária a ponderação de interesses e o princípio da razoabilidade, visando ao mesmo tempo adequar a situação à legalidade e garantir a prestação dos serviços de saúde.
Atendendo aos princípios em questão, entendo razoável a fixação de prazo para cumprimento da presente decisão.
Pelo exposto, JULGO PROCEDENTE, EM PARTE, OS PEDIDOS AUTORAIS e, em consequência, com fulcro no artigo 37, inciso II da Constituição Federal e artigo 11 da Lei nº 7.347/85, CONDENO o Estado do Espírito Santo a obrigação de fazer, de no prazo de 24 (vinte e quatro) meses a partir da intimação desta sentença, construir na região da Grande Vitória um hospital destinado exclusivamente ao atendimento e internação de dependentes químicos, no qual será prestada toda a assistência necessária até o final do tratamento.
Deixo de condenar o requerido ao pagamento das custas e despesas processuais em razão da previsão expressa do artigo 18 da Lei 7.347/95.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Vitória/ES, 06 de julho de 2012.
Jorge Henrique Valle dos Santos
Juiz de Direito
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