Um bombeiro hidráulico que entrou com uma ação na Justiça do Trabalho do Espírito Santo, pedindo reconhecimento de vínculo empregatício, foi condenado a indenizar a empresa e pagar uma multa por mentir à Justiça.  A decisão foi da juíza Suzane Schulz Ribeiro, da 2ª Vara de Vitória. Ela entendeu que o autor agiu de má fé ao processar a construtora Kemp Engenharia Ltda., para quem teria prestado serviços, mas não na qualidade de empregado.
O encanador alegou que trabalhou exclusivamente para a empresa do ano de 1998 até março de 2010. Ele disse que recebia um salário mensal de R$ 1.200,00 para cumprir jornada habitual de segunda a sexta-feira, em horários fixos.  Mas na hora de dizer como era feito o pagamento, o autor se enrolou na sua explicação, o que chamou a atenção da juíza. Para piorar a situação do bombeiro hidráulico, a construtora apresentou notas fiscais mostrando que o ele recebia de acordo com o dia de trabalho, que era realizado eventualmente, não gerando vínculo empregatício.
Além disso, em certo momento, o encanador deixou escapar que trabalhou para outra empresa no mesmo período, em horário comercial, mas dizia “não se lembrar” de quando e por quanto tempo tal vínculo se deu. A ré então apresentou provas de que o bombeiro hidráulico havia trabalhado para o outro empregador por 24 meses, sendo que posteriormente passou a receber o seguro desemprego em cinco parcelas (de julho a novembro de 2009).
O autor não conseguiu justificar tamanho “esquecimento” em sua narrativa, o que descaracterizou qualquer possibilidade de vínculo com a Kemp Engenharia Ltda. Diante de tal fato, a juíza Suzane Schulz Ribeiro sequer ouviu as duas testemunhas levadas pelo autor, que foi condenado por mentir em seu depoimento.
Para a juíza, o bombeiro não tinha relações de subordinação, pessoalidade nem a assiduidade necessárias para provar as relações de emprego.
“As aventuras jurídicas e mentiras tão contundentes, capazes de desnaturar o contrato de emprego, fazem sufragar a tese do autor. Lealdade, boa-fé e ética é o mínimo que se espera de qualquer demandante ou demandado. As mentiras apenas comprometem a credibilidade do autor e são capazes de impedir o julgamento do litígio nos moldes traçados na inicial, já que o próprio Reclamante de tal narrativa fática se distanciou, ao confessar diversos fatos que impedem o reconhecimento do vínculo e validam a tese da reclamada”, escreveu a juíza na sentença.
Diante da conduta do autor, a juíza aplicou multa por litigância de má fé no valor de R$ 220 e o condenou a indenizar a parte contrária em R$ 1 mil por conta das despesas que efetuou para contratar advogado. Ele também deverá arcar com R$ 440 das custas processuais. (Proc. nº 0042000-30.2011.5.17.002 – com informações do TRT-ES).
Abaixo a integra da decisão:

S E N T E N Ç A

I – RELATÓRIO

HAMILTON OLIVEIRA DORIA, devidamente qualificada nos autos, ajuizou Ação Trabalhista em face de KEMP ENGENHARIA LTDA., também qualificada, alegando, em síntese, que foi admitida pela Reclamada no mês de agosto de 1998 tendo sido dispensado em 01/03/2010 para ocupar a função de bombeiro hidráulico. Diz que a Reclamada se negou a cumprir com suas obrigações, inclusive quanto ao próprio reconhecimento do vínculo de emprego e parcelas daí decorrentes. Formula em razão deste e de outros motivos os pedidos elencados nos itens 1 a 13 das fls. 07-8 da exordial.

Proposta de conciliação recusada.

Alçada fixada pela inicial.

Ao resistir à pretensão autoral a Ré contesta os pedidos através da defesa das fls. 48-63 ao argumento de que não houve qualquer vínculo de emprego, pois ausentes os elementos formais para que se configure a relação empregatícia. Ao final, pugna pela improcedência dos pedidos.

Foram colhidos os depoimentos das partes e, indeferida a oitiva de testemunhas.

Declararam as partes não ter outras provas a produzir.

Razões finais orais remissivas.

Última proposta de conciliação rejeitada.

É o que de essencial havia a relatar.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. MÉRITO

Controvertem as partes acerca da existência do vínculo de emprego, sendo certo que a Ré não nega que o Autor tenha prestado serviços, mas apenas que não o fez na qualidade de empregado. Para tanto colhi o depoimento das partes, sentindo-me suficientemente segura para proferir decisão após a oitiva do Autor, motivo pelo qual recusei a oitiva de testemunhas.

Inicialmente, o Reclamante iniciou com toda uma estória engendrada de que teria prestado serviços ininterruptos e exclusivos à Ré desde o ano de 1998 até o mês de março de 2010, mediante paga mensal de R$ 1.200,00, com trabalho habitual de segunda a sexta-feira em horários fixos, diurnos. Depois, passou a dizer, que em algumas obras, poderia trabalhar no turno da noite, mas que foram em pouquíssimas oportunidades.

Assim, o patrono da Ré, sabidamente, e, em doses homeopáticas, encaminhava perguntas que só comprometiam mais a armação desenhada pelo Autor, a fim de se locupletar ilicitamente. Informou que possuía uma empresa e que o seu serviço era por emissão de notas fiscais, entretanto, a fim de justificar o recebimento por esse meio, e sem que houvesse qualquer pergunta, disse que as notas eram devolvidas porque a empresa estava com as atividades encerradas. Entretanto, não é o que se verifica da consulta ao CNPJ da empresa Hidracon Comércio e Serviços (fl. 76) que descreve situação cadastral ativa, sendo importante mencionar que a abertura de referida empresa foi no ano de 1996, época em que o Reclamante sequer prestava serviços para a Ré, segundo a narrativa da inicial, o que faz crer que o Autor efetivamente era um prestador de serviços com autonomia e gerência sobre o seu trabalho.

Informa, ainda, o Reclamante, inicialmente, que o seu salário era fixo, no montante de R$ 1.200,00, mas ao ser apresentado ao mesmo os recibos trazidos com a Defesa, indicando pagamentos pela obra, segundo as medições realizadas no decorrer da mesma, confirmou o pagamento sob aquela modalidade, argumentando que o valor indicado se traduzia em uma média que apurou.

Some-se ao quadro pretérito, que o Reclamante, surpresamente, confessou ter trabalhado para outra empresa no ínterim em que diz ter prestado serviços para a Ré. Confessa que naquela empregadora, seu horário de trabalho era administrativo, o que refuta a possibilidade de trabalho em prol da Ré, no mesmo período. Curiosamente, o Reclamante “esqueceu-se” de comentar o vínculo, e, pior, disse que não se lembrava por quanto tempo e nem em que época o vínculo se deu. Mas a Ré, munida que foi a audiência, realizou consulta (fl. 97), que descreve tempo de serviço para outro empregador de 24 meses, sendo que posteriormente passou a receber do Estado o benefício do seguro-desemprego em cinco parcelas, ou seja, desde o mês de julho de 2009 até novembro de 2009. Ao ser apresentada referida evidência, não pôde negar o Autor, tampouco soube justificar tamanho “esquecimento” em sua narrativa.

As aventuras jurídicas, e, mentiras tão contundentes, capazes de desnaturar o contrato de emprego, fazem sufragar a tese do Autor. Lealdade, boa-fé, ética é o mínimo que se espera de qualquer Demandante ou Demandado. São deveres impostos pela Lei, mas que se imiscui no que se espera moralmente em todas as relações que se travam. As mentiras apenas comprometem a credibilidade do Autor, e são capazes de impedir o julgamento do litígio nos moldes traçados na inicial, já que o próprio Reclamante de tal narrativa fática se distanciou, ao confessar diversos fatos que impedem o reconhecimento do vínculo e validam a tese da Reclamada.

Registre-se, por oportuno, que a atribuição de julgar se reveste de extrema responsabilidade e seriedade, das quais se olvida o Autor que, aparentemente, aqui busca a sorte. O depoimento pessoal do Reclamante conduziu a realidade diversa, não destoante de qualquer relação posta ao exame desta Especializada. Lamentavelmente, o intuito pedagógico desta Justiça, criada a partir das lutas dos trabalhadores e com o foco voltado para a melhoria das condições de trabalho sob a ótica do prestador, ainda não produziu o efeito desejado e, não raro, deparam-se os Magistrados com narrações descompromissadas com a verdade, utilizando-se, o trabalhador, da prerrogativa que possui na Justiça do Trabalho. Como sabido, trata-se de órgão protetivo, cujas presunções favorecem o empregado, todavia não é incomum esse mesmo empregado se utilizar dessa posição de vantagem em busca de benefício o qual, até o presente momento, não logrei êxito em identificar. Não se sabe, ao certo, se a intenção, de fato, seria a de obter valores absurdamente elevados sem qualquer amparo fático que o justificasse ou se a ignorância intelectual obstaria o hipossuficiente de discernir entre o certo e o errado.

Estou convicta de que o estado de miserabilidade não repercute na formação do caráter nem torna justicáveis atitudes injustificáveis. Improcede a Ação Trabalhista.

Diante da conduta perpetrada pelo Autor lhe aplico multa por litigância de má-fé, no valor de R$ 220,00 (duzentos e vinte reais) a ser revertido para o FAT; e indenizar a parte contrária das despesas que efetuou em contratar advogado. Condeno, assim, que o Autor pague a Reclamada o importe de R$ 1.000,00 (hum mil reais).

2. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA

Indefiro o pedido, diante da temeraridade da lide posta sob minha cognição. A propósito, deve ser reiterado que a máquina jurisdicional e a consequente isenção de custos ao hipossuficiente se prestam apenas àqueles que ostentam pretensões válidas. Na hipótese, o abuso é manifesto, pelos motivos alhures declinados. Não merece, portanto, o Autor, o amparo da gratuidade de justiça, devendo, ao contrário, suportar o ônus da impropriedade consciente do seu ato.

III – DISPOSITIVO

ISTO POSTO, e por tudo mais que dos autos consta, julgo IMPROCEDENTES os pedidos formulados na inicial, na forma dos comandos emergentes acima que integram o presente decisum para todos os efeitos legais.

Multa por litigância de má-fé, no valor de R$ 220,00 a ser revertido para o FAT; e condeno o Autor a indenizar a parte contrária no importe de R$ 1.000,00 para cada Ré.

Custas processuais, pelo Reclamante, no montante de R$ 440,00 calculadas sobre o valor atribuído à causa em R$ 22.000,00, para fins de direito.

Intimem-se as partes.

Vitória, 01 de setembro de 2011.

SUZANE SCHULZ RIBEIRO

JUÍZA DO TRABALHO

Retirado em 13/07/2012 de TRT/ES