A tortura é comum em nosso país desde sempre. Essa prática nefanda, verdadeira herança maldita, trazida pelos portugueses ‘educados’ nos métodos da dita Sagrada Inquisição, permanece até hoje, passando por Colônia, Império, Independência, República, ditaduras e imperfeitos Estados de Direito, com governos de todos os tipos”.
A afirmação é da socióloga Maria Victoria de Mesquita Benevides Soares, no artigo “Tortura no Brasil, uma herança maldita”, no livro que reuniu os participantes do Seminário Nacional sobre Tortura, realizado em maio de 2010 pela Universidade de Brasília (UnB), no Distrito Federal, em parceria com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
Continuando seu raciocínio, Maria Victoria afirma: “Os indígenas, os hereges ou infiéis, os negros escravos e descendentes, os ‘vadios’, os marginais de toda sorte, os internos nos manicômios, os ‘subversivos’ e opositores políticos, os presos ditos ‘comuns’, os pobres em geral, os não cidadãos… todos potencialmente vítimas dos abusos e da violência extremada. Para punir, disciplinar e purificar (sic), arrancar confissões e informações, intimidar, ‘dar o exemplo’, vingar, derrotar física e moralmente o suposto inimigo ou, simplesmente, o indesejável”.
E prossegue: “A discussão sobre a tortura, onde quer que se dê, envolve aspectos históricos, filosóficos, morais, jurídicos, políticos, psicológicos e sociais. No Brasil, trata-se de questão crucial e mobilizadora na área dos Direitos Humanos, embora ainda negligenciada – ou manipulada em nome de interesses escusos – no debate público. Se o tema provoca aversão e indignação militante e propositiva por um lado, por outro também desvela um certo silêncio, mesclado de medo ou desconforto, quando não explícita tolerância, além da omissão criminosa de certas autoridades.
A tradicional imagem do brasileiro como ‘um homem cordial’ – pois a doçura de sentimentos, a afabilidade no trato e a generosidade com os visitantes encantavam os estrangeiros, segundo textos da história ufanista – vem sendo tão desmentida quanto a velha tese sobre nossa ‘democracia racial’. Hoje, ninguém mais, com um mínimo de informação e olhos para ver, poderá duvidar de que podemos ser violentos, preconceituosos e racistas. Até que ponto a sociedade continuará aceitando a ilusão de sermos um país ‘abençoado por Deus e bonito por natureza’, com filhos amorosos e devotos da ‘pátria mãe gentil’?
De acordo com o artigo de Maria Victoria, em pesquisa realizada em 2009 pela agência Nova S/B, em parceria com o Ibope, 26% dos entrevistados declararam-se favoráveis à tortura de suspeitos, realizada por agentes policiais.
“Os quase quatro séculos de escravidão deixaram sua marca vil: nos entrevistados com renda mensal superior a cinco salários mínimos, o índice de aprovação da tortura policial chegou a 42%, ao passo que a média de aprovação, entre os que vivem com menos de cinco salários mínimos de renda por mês, não ultrapassou 19%. Outra pesquisa, coordenada por Gustavo Venturi, revelou que um quinto da população brasileira conhece pessoalmente alguém que tenha sido torturado, mas apenas 12% consideram a tortura uma prática que deve ser combatida”, observou.
De acordo com a professora, na publicação Relatório sobre Tortura: uma Experiência de Monitoramento dos Locais de Detenção para Prevenção da Tortura, de 2010, a Pastoral Carcerária denunciou casos de tortura, por ela pesquisados, em 20 estados brasileiros, sendo o maior número de casos em São Paulo (71), no Maranhão (30), em Goiás (25) e no Rio Grande do Norte (12), salientando que a maioria dos torturadores não sofreu punições. As denúncias de tortura são feitas por presos, parentes e até mesmo pelos próprios agentes penitenciários.
“Tais dados, que ecoam a maldita “tradição” e se repetem miseravelmente em todo o País, não nos impede de registrar os avanços contemporâneos na luta pela defesa e promoção dos Direitos Humanos – na sociedade e no âmbito do Estado – inclusive com a condenação na Constituição vigente e a posterior definição do crime de tortura. Temos hoje, sem dúvida, a oportunidade de levar o debate em várias instâncias, com a legitimidade de um tema que entrou, apesar de muita oposição, na agenda do Estado”, afirmou a professora.
Assessoria de Comunicação do TJES
14 de janeiro de 2013
Retirado em 15/01/2013 do TJ/ES